Era uma manha de Outono cinzenta e fria... faltava pouco para o inicio da 1a aula e Cecília estava já á porta da escola, tremia com o frio e tinha um ar cansado. Perdida nos seus pensamentos nem se apercebeu que estava a ser observada... Rui, um dos alunos de Maria dos Santos, observa Cecília com um ar enigmático e ao mesmo tempo preocupado... nunca haviam chegado os dois á fala, mas Ruisentia um certo carinho por Ela... preocupava-se, gostava de a poder conhecer melhor, de saber o que a atormentava e a tornava naquela pessoa tão fria e distante de tudo e de todos...
Sem deixar que ela se apercebesse, Ruigostava de a observar... os seus longos cabelos castanhos que lhe caiam pelas costas abaixo, formando caracóis largos. Os seus olhos verdes, cor de mar... muitas vezes sem brilho e com um ar vazio, observa-lhe o rosto. Cecíliatinha uma pele clara, olhos marcados pelo cansaço e pelas inúmeras vezes que já chorara.
Nunca a vira sorrir... sabia que Cecíliaera uma pessoa reservada, que pouco se manifestava nas aulas e mesmo quando havia motivos para rir, nem um sorriso esboçava. Muitos dos colegas tomavam-na por uma pessoa "esquisitinha" devido as suas atitudes e pouco lhe ligavam, o que parecia não fazer muito ao caso a Cecília, mas Ruicismava e teimava em podê-la conhecer melhor! Saber que pessoa se encontrava por detrás daquela "máscara" fria, a qual ele acreditava não ser a "verdadeira faceta" daquela por quem ele tanto carinho nutria.
Resolveu aproximar-se, apesar de sentir as pernas a tremerem-lhe como "varas verdes", foi se aproximando dela, endireitando as costas e enchendo-se de coragem. Afinal de contas ia fazer aquilo que ninguém se atrevia a fazer... falar com Cecília!
-Bom dia! Está frio hoje não está? - disse Ruiolhando para o pátio da escola, metendo as mãos nos bolsos do casaco para que ninguém se apercebesse do quanto estas tremiam.
Cecíliaficou absorta a olhar para Rui, nem sabia o que responder, afinal de contas não estava habituada a que algum dos seus colegas falasse com ela... -Sim,sim! Está realmente frio hoje... - respondeu ela.
- Depois das aulas podiamos ir tomar um café os dois... Que achas? - perguntou Rui olhando Cecília nos olhos e sentindo o rubor a subir-lhe no rosto.
- Não, não é possível. Fica para uma próxima vez... Aliás as aulas já vão começar e temos que ir, não quero chegar atrasada. - dito isto saiu a correr e entrou no edifício sem sequer olhar para trás, parecia assustada ou com medo que mais alguém pudesse ter ouvido o convite que lhe fora feito.
Mas Rui não se deu por vencido. Durante aquela manha pouco ou nada ouviu do que estava a ser leccionado, o seu pensamento e o seu olhar apenas tinham um destino: Cecília. Porque teria ela reagido assim? Que segredo escondia aquele olhar triste e aquela solidão a que ela se entregava?
A manha passou a correr e as aulas chegaram ao fim, de tarde a escola estava fechada, portanto apenas no dia seguinte poderia voltar a vê-la e tentar novamente chegar á fala com ela.
Logo após o último segundo de aula, Cecília saiu apressada e como que por magia desapareceu ao fundo da rua. Correndo o mais depressa que consegui Ruiresolveu ir atrás dela, o seu comportamento era deveras estranho e algo lhe "cheirava a esturro". Tentando manter sempre a distancia necessária para que ninguém se apercebesse da sua presença, continuou a segui-la... desceu a Rua das Fontainhas, subiu a íngreme Rua dos Roseirais, virou á direita na praceta do Bispo de Algorel e deixou de a ver... Onde se teria ela metido? - pensou arreliado!
Foi nisto que se apercebeu do lugar onde estava! Praceta do Bispo de Algorel... aqui nao haviam casas, apenas uma igreja e um convento de carmelitas. Seria esse o grande segredo de Cecília?
(to be continued)
Grüß aus München,
Sara
"Olho para a folha em branco que tenho em frente a mim, mil e uma ideias para serem escritas, transmitidas, tornadas realidade no correr das linhas escritas pelo bico da caneta sob o espaço que tem á sua frente... um redemoinho de emoções, apertadas no peito, que sufocam a minha garganta, com vontade de saírem num grito mudo...
Apetece-me gritar, rasgar as folhas que tenho nas maos, atirar com tudo, sair, libertar-me... libertar-me deste sufoco, tornar o grito nom som estridente e audível... demonstrar ao Mundo que estou VIVA!!"
Foi ao ler o trabalho escrito de fim de capítulo sobre a matéria que estava a ser dada, que Maria dos Santos se apercebeu da verdadeira situação em que vivia a sua aluna. Maria dos Santosera professora já há mais de duas décadas e tinha-se habituado a ver os alunos, vendo apenas caras/nomes e números... mas nunca se afeiçoando verdadeiramente a nenhum deles. Já o fizera no passado e com isso aprendera que o melhor era ser imparcial e de certa maneira até insensível... pois afeiçoando-se acabava por se magoar no final de cada ano lectivo com mais uma separacao e com a sensação de abandono... pois os seus "meninos" cresciam... deixavam a escola ou seguiam os estudos e nunca mais se interessavam por quem lhes tinha ensinado as 1as letras do abecedário. Toda a sua vida profissional tinha ensinado crianças nos 1os anos lectivos, ensinava-os a escrever, a ler, a terem gosto pelos livros, a gostarem de escrever as suas próprias histórias... Os anos haviam passado, a escola ou melhor a forma de leccionar havia se tornado diferente daquilo a que estava habituada. Os tempos eram outros, as crianças não tinham mais o respeito que doutrora... por isso havia decidido deixar os "pequeninos" e dedicar-se aos "graúdos" como ternamente lhes chamava.
Maria dos Santosleccionava agora o curso de adultos na antiga escola onde toda uma vida leccionara. Estava a ser uma aventura para si, um novo desafio ao qual se entregava de corpo e alma, com todas as energias que possuía. Sentia-se feliz por poder ajudar aquelas pessoas, que por um motivo ou por outro haviam passado uma vida inteira sem saberem ler ou escrever...
A matéria estava dividida por capítulos, logo no 1° havia ensinado como se escrevia e lia, ao contrário dos seus meninos que muitas vezes se mostravam entediados por terem que aprender e estar na escola, estes seus novos alunos demonstravam um interesse e uma motivação, que tornava a aprendizagem mais rápida e emocionante. Os resultados estavam a ser fantásticos e aquelas pessoas que tinham iniciado aquele curso com um ar amedrontado pela nova situação que estavam a viver e pelo desafio que tinham á sua frente, tinham-se transformado em adultos sorridentes e seguros de si! Orgulhosos por conseguirem vencer a barreira do analfabetismo!!
No fim deste capítulo escolar Maria dos Santostinha proposto aos seus alunos algo que para eles se tornara uma aventura... perante uma folha em branco transmitirem as suas emoções, os seus pensamentos e escreverem sem limites de imaginação. Até essa altura e desde que haviam aprendido a escrever, tinham já realizado alguns trabalhos escritos, mas sempre com um título já pré-programado e destinado pela professora, com um número limite de linhas e dentro de moldes previamente estabelecidos. Agora viam-se "á solta" perante uma folha de papel e viviam um turbilhão de novas emoções. Os temas escolhidos por alguns dos alunos eram iguais, uns falavam sobre os filhos, outros sobre o facto de se terem aventurado a aprender já depois de adultos... Apenas Cecília havia escolhido um tema diferente! Ela era uma das suas "aluna-problema", sempre irreverente, com pouco interesse em aprender.. era também a mais nova da classe, tinha apenas 23 anos (tendo em conta que a média de idades rondava já os 45!). Era uma aluna típica que gostava de se fazer "transparente", gostava pouco que o resto da classe ou a professora se apercebessem da suas presença na aula, apesar de a sua assiduidade ser óptima... Raramente participava nas actividades ou respondia ás perguntas, quando debatiam um tema entre os alunos, não se demonstrava interessada, mas Maria dos Santos havia já notado que apesar do seu ar ausente e desinteressado Cecília estava mais presente do que muitos julgavam!
E foi ao corrigir os trabalhos escritos que a sua presença se demonstrou uma vez mais... que quereria Cecília transmitir com aquelas palavras? Seria imaginação sua? Haveria Cecília tentado escrever uma história fantasiada? Ou esconder-se-ia por detrás daquelas palavras uma história bem mais complexa?
Os dias passaram, os trabalhos foram corrigidos e nova matéria foi iniciada. Nenhuma das duas se manifestou sobre o que escrevera ou sobre o que lera, mas ambas sabiam que algo havia mudado, sentiam-se cúmplices as duas, tinham algo em comum... apesar de não saberem bem o quê!
(continua)
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